15/11/2024
Destaque Polícia

Presa por tráfico aprende ler e escrever aos 70 e diz que educação poderia ter transformado sua vida

A letra com traços infantis e a leitura atenta e pausada demonstram que o ato, simples para muitas pessoas no dia a dia, ainda é novidade na vida de Francisca Rosa de Carvalho. Aos 70 anos, ela teve a oportunidade de aprender juntar palavras bem quando se “reconstruía” dentro da Penitenciária Feminina de Mogi Guaçu (SP), durante cumprimento de pena por tráfico de drogas.

Mineira de nascimento, tendo morado e trabalhado no Paraná ainda criança, Francisca fincou raízes em Limeira (SP) há quase cinco décadas, onde criou os oito filhos, e cidade em que espera seguir morando e, agora, lendo e aprendendo.

Ela pode compartilhar a novidade com os filhos, 19 netos e 7 bisnetos, e o ensino também ajuda a alimentar a fé – a Bíblia está entre as leituras preferidas, avisa.

Para quem cresceu na lavoura, teve de abandonar os estudos cedo e encarar o trabalho nunca foi um problema, a descoberta da educação após décadas apresentou novos cenários, e Francisca acredita que a vida poderia ter tomados outros rumos se tivesse aprendido a ler e escrever antes. “Poderia, sim. Eu poderia ter tido serviço mais fácil, trabalhei sempre em serviço pesado por não ter estudo. Se tivesse estudo, não teria pegado só no pesado. Se bem que serviço não mata ninguém. Meus filhos, graças a Deus, eles têm boa profissão”, conta, orgulhosa.

Ressocialização
Para quem visita a sala de aula onde Francisca descobre o mundo das letras, esquece, ainda que por alguns momentos, que está dentro de uma penitenciária. O ambiente voltado às custodiadas oferece a oportunidade que muitas vezes faltou do lado de fora, e cuja proposta é solidificar a ressocialização.

Francisca é apenas uma entre os 164 custodiados que se alfabetizaram (realizaram o ciclo do ensino fundamental I) nas unidades prisionais da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) da região de Campinas em 2023. “A professora é muito legal, tem muita paciência. Me sinto bem, saio de lá [penitenciária]. Antes não conseguia escrever, agora já estou escrevendo bem, leio bem. Escrevo para minha filha”, lembra.

Diretora-geral da Penitenciária Feminina de Mogi Guaçu, Daniele de Freitas Melo valoriza a educação como ferramenta de ressocialização e abertura à novas oportunidades. “Às vezes a reeducanda procura as aulas pela remissão da pena, mas depois verificamos o interesse pelo estudo, pelo conhecimento, transformação. A educação é fundamental em uma unidade prisional, porque é uma oportunidade das reeducandas voltarem à sala de aula, ao contato com professores, descoberta de talentos, sonhos”, defende.

Francisca Rosa de Carvalho, 70 anos, aprendeu a ler e escrever dentro da Penitenciária Feminina de Mogi Guaçu (SP) — Foto: Fernando Evans/g1

Prisão por tráfico
Sobre os motivos que à levaram ao sistema prisional, Francisca atribuiu a percalços vividos. Foram duas ocorrências, a primeira em que teria sido pega com droga que não seria dela, e a segunda, garante, em uma situação “armada”, em que pesou justamente a passagem anterior contra ela. “Na primeira, eu me lembro muito bem. O moço me disse que me daria R$ 100 para visitar meu filho que estava preso, e ainda falei: ‘meus filhos não vão gostar, pelo amor de Deus, não deixa’. Ele disse que meus filhos não iriam ficar sabendo, mas não levou meia hora para a polícia chegar. A segunda virou uma bola de neve. Eu não estava com maconha alguma”, defende-se.

Lições aprendidas
Entre idas e vindas ao presídio, foram quase cinco anos de pena cumprida por tráfico, e mais que lições aprendidas da vida, Francisca deixa a penitenciária com um aprendizado que pode mudar caminhos. “Até dois meses atrás não conseguia escrever uma carta. Tremia muito a mão, escrevia com muita falta de letra. Até pouco tempo não conseguia ler. Escrevo bastante para minha filha, e consigo ler tudo”, destaca.

A leitura escolhida foi uma história aprendida em sala de aula, construída em letras fortes, a lápis, no caderno em que escreve um capítulo bonito de sua vida bem no momento mais nebuloso em que passou.

E contando as horas para deixar a unidade prisional, Francisca avisa qual mensagem gostaria de escrever para a família.

“Me aguarde que tô chegando. Eu paguei por que errei, e que Deus acrescente meus dias na terra para ter minha família por perto. Família para mim é tudo.”

Unidade de ensino dentro da Penitenciária Feminina de Mogi Guaçu (SP) — Foto: Fernando Evans/g1

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