11 anos depois do primeiro diagnóstico de um tumor no cérebro, o ex-jogador de basquete Oscar Schmidt, de 64 anos, disse estar curado da doença. O anúncio veio depois de um “mal-entendido” na última semana.
Em entrevista à RedeTV! na quinta-feira (13), o ídolo disse que abriu mão das sessões de quimioterapia por conta própria, e que perdeu o medo de morrer depois de ter câncer.
Com a repercussão da declaração, Oscar gravou um vídeo neste sábado (15), em que esclareceu que está bem, curado e que tudo não passou de um mal-entendido.
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Mas em alguns casos, a interrupção do tratamento não está ligada à cura de uma doença grave, como aconteceu com Oscar, e sim a uma decisão do próprio paciente. São os chamados cuidados paliativos.
Entenda os fatores avaliados para os cuidados paliativos
O Instituto Nacional de Câncer (INCA) define que cuidados paliativos são “cuidados de saúde prestados à pessoa com doença grave, progressiva e que ameaça a continuidade da vida, para promover a qualidade de vida do paciente e de seus familiares com o objetivo de prevenção e alívio do sofrimento”. Isso inclui o tratamento da dor e de outros sintomas físicos, sociais, espirituais e psicológicos.
Para especialistas ouvidos pelo g1, a desistência de tratar o câncer deve levar em conta a resposta ao tratamento e a qualidade de vida do paciente.
Segundo o oncologista Enaldo Melo de Lima, coordenador Oncologia da Rede Mater Dei, é preciso analisar o prognóstico do paciente e o objetivo do tratamento, ou seja, se é curativo ou paliativo. Na maioria das vezes, no tratamento curativo, o paciente opta por fazer o tratamento regular e não há desistência.
A quimioterapia é um exemplo de tratamento curativo, que pode ser feito via oral com comprimido, via venosa ou subcutânea. Ela funciona no organismo todo e tem o objetivo de destruir as células cancerígenas para controle da doença ou cura, mas traz uma série de efeitos colaterais. “Cada medicamento tem um efeito colateral muito específico, então o profissional que está habilitado para indicá-lo, que é o oncologista, tem que ter experiência para administrar os efeitos colaterais dessas medicações”, ressalta o médico.
Já o tratamento paliativo depende de como está sendo a resposta e a tolerância do paciente à medicação. De acordo com Lima, geralmente as desistências ocorrem quando o tratamento oferece apenas uma sobrevida, sem uma melhora no quadro e uma qualidade de vida razoável durante esse período.
“Um outro aspecto é que a gente não sabe o tempo da pessoa. Então isso é uma questão muito difícil de responder. Mesmo parando o tratamento, você não sabe qual vai ser a evolução”, observa.
O oncologista aponta que pesquisas mostram o tempo médio de vida dos pacientes, mas há aqueles que saem dessa mediana e têm muito tempo de sobrevida, com uma evolução muito mais favorável do ponto de vista de tempo, e às vezes o tratamento é interrompido e o paciente tem uma evolução surpreendente.
O médico cita ainda a questão da toxicidade da medicação na quimioterapia e os sintomas que podem vir do tratamento. Segundo ele, pode haver um quadro de desconforto e fadiga crônica, que leva a uma sensação de impotência funcional a longo prazo. Podem vir ainda náuseas, mal-estar e infecções. Esse é outro motivo que pode levar à interrupção do tratamento.
“Então tem que ser pesado o prognóstico do paciente, que deve estar muito bem definido, e qual é a tolerância ao tratamento. E essa decisão tem que ser vinculada ao médico, compartilhada. É óbvio que é uma decisão individual, mas o paciente tem que estar muito vinculado com o médico”, diz Lima.
Para o oncologista, o paciente tem a liberdade de decidir, mas o médico pode argumentar. “Por isso a vinculação com o médico tem que ser muito grande, o paciente tem que ter segurança naquela decisão”.
“Quando os danos são maiores que os benefícios e o paciente acha que o tratamento não está tendo o efeito desejado ou que não vai curá-lo, isso é o que mais faz ele desistir”, afirma o oncologista.
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“No tratamento paliativo, o paciente julga que o tempo que ele ainda tem de vida é melhor vivê-lo numa condição melhor sem o tratamento do que ter um aumento de tempo que não é possível de ser especificado e com a qualidade de vida muito ruim. Então, essa é uma conta feita tanto pelo médico quanto pelo paciente”, afirma.
A desistência do tratamento é mais comum em pacientes idosos. “A grande maioria não tem indicação de tratamento, então eles vão para cuidados paliativos, sem indicação de um tratamento específico”, aponta o médico.
Segundo Lima, atualmente, a quimioterapia tem maior eficácia nos seguintes tipos de câncer: leucemia, linfoma, mama, intestino e pulmão.
No caso de metástase, em tumores de mama, intestino, pulmão e hematológicos a quimioterapia também tende a apresentar grande eficácia no tratamento.
Já os tipos de câncer com maior gravidade são os de cérebro e os de pâncreas.
Lima conta que o tempo de vida médio no caso do câncer de pâncreas metastático, por exemplo, é de 7 a 11 meses se o paciente for tratado. “Se não houver tratamento específico, normalmente o paciente vai morrer entre 60 e 90 dias”, diz.
Já o câncer de cérebro de grau 4, que é o mais comum e o mais grave, tem tempo de vida médio de 15 meses quando é feito o tratamento completo, segundo Lima.
“É uma conta que precisa ser feita e discutida, tem que pesar se só o tempo a mais ou menos de vida conta, se nisso entra a condição de vida que o paciente terá. A trajetória de cada um é individual. O médico pode opinar e ajudar na decisão, mas ele não sabe o que o paciente está sentindo, só quem passa por um tratamento sabe como é, é muito pesado, muito agressivo. Então é uma decisão muito pessoal”.
Para Lima, o paciente tem que ter total confiança no médico e estar muito bem informado para colocar tudo na balança. Se houver chance de cura com o tratamento, o médico também deve deixar isso claro para o paciente. Da mesma forma se as chances forem pequenas.
Cuidados paliativos não se restringem ao câncer
Ana Michelle Soares, a AnaMi, é autora dos livros ‘Enquanto eu Respirar’ e ‘Vida Inteira’, em que divide as experiências com um câncer incurável — Foto: Divulgação.
A jornalista e escritora Ana Michelle Soares, a AnaMi, explica que pacientes de doenças graves e que ameacem a continuidade da vida, como cardiopatias ou Alzheimer, por exemplo, também podem receber cuidados paliativos.
AnaMi descobriu que tinha câncer de mama em 2011, aos 26 anos. O câncer evoluiu para uma metástase, quando a doença atinge outros órgãos. Neste momento ela está em cuidados paliativos, sem receber quimioterapia, para tratar de outros problemas de saúde decorrentes do tratamento. AnaMi conta que os cuidados paliativos não significam apenas parar o tratamento, mas também suspender e manejar o sofrimento até que o paciente possa voltar ao tratamento convencional.
“Até que chega aquele momento em que não tem como tratar a doença, então a gente entra em cuidados paliativos exclusivos, em que já não existe nenhum foco em tratar para prolongar a vida; o foco é não sofrer”, completa.
AnaMi: aos 39 anos, ela trabalha no 3º livro e coordena a Casa Paliativa. Jornalista tem formação em Cuidados Paliativos. — Foto: Divulgação.
Casa Paliativa
AnaMi é uma das fundadoras da Casa Paliativa, espaço voltado para pessoas com doenças graves e que estejam em cuidados paliativos. As atividades são feitas presencialmente e online. Familiares desses pacientes também podem participar de grupos de apoio.
O espaço oferece, além de diálogo, oficinas e encontros. “Já fizemos oficina de panificação, recentemente tivemos um retiro para os pacientes. Fizemos dois fóruns em que conseguimos manter mais de mil pessoas online, com vários assuntos”, conta a escritora.
“Tem cura que vai muito além de doença”
Para AnaMi, é preciso entender que cada paciente tem um limite. E que o ideal de “cura”, em alguns casos, ganha outro significado. “Desde o diagnóstico a gente ouve sobre cura (…). A gente tem que aprender que existe um limite pra todo mundo. Existe um limite em fazer tratamento e não estar vivendo bem. Mas se eu parar, talvez eu viva um pouco os prazeres da vida, mesmo que por pouco tempo”, reflete. “Tem cura que vai muito além de doença”.
Casa Paliativa oferece atendimentos gratuitos a pacientes com doenças graves. — Foto: Divulgação.
o grupo do Facebook “Casa Paliativa”. Já o público em geral pode conhecer mais sobre o trabalho nas redes sociais da instituição (@casapaliativa).