20/09/2024
Entretenimento

Entenda o que é o intersexo, condição genética da rainha do Jaguariúna Rodeo Festival

Eleita rainha do Jaguariúna Rodeo Festival, Fabiana Ramos, de 28 anos, acredita que sua conquista no evento é fundamental para levar conhecimento para as pessoas a respeito de sua condição genética intersexo e quebrar preconceitos. Ela também vê uma oportunidade de fazer a diferença na vida de outras pessoas iguais a ela com a visibilidade conquistada.

A condição é caracterizada por uma diferenciação do sexo 46, XX. Ela e a chamada disgenesia gonadal são termos que se referem às condições genéticas de pessoas que nascem com uma diferenciação entre órgãos internos e externos. São pessoas que antigamente eram chamadas de hermafroditas, palavra caiu em desuso por ser considerada imprópria para definir a condição.

O geneticista Edmilson Ricardo Gonçalves, diretor da Faculdade de Biologia e Biomedicina da PUC-Campinas (SP), tirou dúvidas relacionadas ao tema. Nesta reportagem, você vai saber:

O que significa uma pessoa ser intersexo?
É correto dizer que a pessoa tem os dois sexos?
Essas condições interferem no gênero?
O que é distúrbio da diferenciação do sexo 46,XX?
1) O que significa uma pessoa ser intersexo, condição anteriormente chamada de “hermafrodita”?

O termo “hermafrodita”, que não é utilizado atualmente, se refere à condição intersexo, inferindo que o indivíduo teria os dois sexos. Não é exatamente isso que ocorre com pessoas nessa condição. Biologicamente, a questão do sexo não está relacionada aos órgãos genitais, mas às gônadas, ou seja, testículo e ovário.

E, nesses casos, as gônadas não funcionam normalmente, então, as pessoas nessas condições são inférteis, porque não há produção de espermatozoides ou óvulos.

Para esses casos, antigamente chamados de “hermafroditas”, o termo utilizado pelos pesquisadores é disgenesia gonadal, no qual os aspectos físicos podem ser muito diversificados, tratando-se de casos mais raros.

2) É correto dizer que a pessoa com estas condições genéticas tem os dois sexos?

Não, pois as pessoas podem ser biologicamente feminina ou biologicamente masculina. Ou seja, possuem diferenciação com os órgãos externos.

3) Essas condições interferem em questões de gênero?

Não. Cada pessoa, independentemente da condição genética, terá a própria identidade de gênero.

4) O que é distúrbio da diferenciação do sexo 46,XX?

Esse caso ocorre quando a pessoa é biologicamente feminina, pois possui cromossomos do par sexual iguais (XX), mas tem aparência de genital masculina. Mulheres com essa condição podem ter um clitóris mais desenvolvido ou um pênis, mas não desenvolvem testículo por não possuírem geneticamente o cromossomo Y.

A formação de genitais externos virilizados, ou seja, masculinizados, pode ocorrer devido ao contato com testosterona, que pode ocorrer por meio da mãe, durante a formação da criança, ou então a própria criança pode possuir uma mutação, chamada de síndrome adrenogenital, que produz testosterona.

No caso de um pênis desenvolvido, ela vai ter uma bolsa escrotal vazia, sem o testículo. Porém, internamente, ela terá órgãos femininos como útero e ovário e poderá, por exemplo, ter um ciclo menstrual. Esses casos costumam ser mais comuns, e o grau de desenvolvimento do órgão externo pode variar em cada indivíduo.

5) O que é disgenesia gonadal?

Há também o que era chamado de “pseudohermafrodita”, o que se refere ao distúrbio de diferenciação do sexo XX ou XY, e que são casos mais frequentes. Um exemplo é o caso da atleta sul-africana Caster Semenya, que chegou a disputar as últimas olimpíadas como atleta e possui um distúrbio da diferenciação do sexo XY.

Ou seja, biologicamente ela é XY e, como há o “Y”, essa pessoa terá testículo e não ovários, o que torna essa pessoa biologicamente masculina, porém a questão está na diferenciação do órgão genital, porque nesse caso se desenvolve uma vagina, por exemplo. É uma incoerência entre a aparência interna e externa.

‘Nasci o que eu sou’
Nascida em Caieiras (SP), Fabiana Ramos de 28 anos, conta que demorou para entender que era uma pessoa intersexo, por não ter muitas informações sobre o assunto na época e em sua cidade natal.

“Na cidade, naquela época, não tinha muita informação sobre isso, não é? Aí, no começo, a gente pensa que vai ficar ‘natural’, porque nasce com órgãos um pouco diferentes, e se aflora mais na adolescência, quando você começa a ter os hormônios, e aí você vai entender melhor sobre o que era.”

Ela compara sua experiência com a de sua prima, também nascida intersexo, mas que, ao contrário de Fabiana, teve acesso a mais informações e tratamento.

“Tanto que eu tive minha prima que nasceu com o mesmo ‘probleminha’, só que aí como hoje já é mais moderno, então ela já fez um tratamento desde quando criança e não teve tanto transtorno como foi o meu. Porque eu nasci assim, porém, não pude fazer o tratamento porque não tinha muita informação sobre esse tema também, né? Até hoje não se tem muita informação sobre isso.”

Conforme Fabiana foi conhecendo mais sobre a intersexualidade, tentou fazer alguns tratamentos hormonais, mas como o seu organismo rejeitou, escolheu lidar com seu corpo em um processo de aceitação. “Depois, tentei fazer o tratamento hormonal para ver se melhorava alguma coisa, mas também não resolveu, porque meu organismo não aceitava. Eu nasci o que eu sou e o que eu nasci para ser, e vou seguir a minha vida em frente. Foi aí que eu aprendi a lidar com o mesmo tema.”

Apoio de família e amigos
Em todo processo de conhecimento sobre seu corpo e sobre quem é, Fabiana contou com o apoio da família e amigos, o que, segundo ela, foi essencial e a manteve motivada. “Minha família sempre me apoiou, porque é algo que você não escolhe para nascer, você nasce assim. E também as pessoas que me conhecem, que são próximas, sempre me defendiam, porque o preconceito sempre existiu, e sempre vai existir. Porém sempre tive pessoas ao meu lado, sempre tive esse carinho muito grande, sempre me motivaram, sempre me ajudaram nas minhas decisões.”

O suporte especializado veio apenas quando Fabiana foi até o Hospital das Clínicas da capital, onde recebeu tratamento adequado. “Eu fiz um tratamento numa época no Hospital das Clínicas para medir a dosagem hormonal, onde na época, era o local especializado nesse assunto. Lá também pude passar por tratamento psicológico, psiquiátrico, então me deu um suporte bem bacana também.”

Fazer a diferença
Para Fabiana, a visibilidade de se tornar rainha do rodeio proporciona um momento único para discutir sobre o tema e conscientizar as pessoas para evitar a reprodução de preconceitos. “Eu entendo que precisamos evoluir e colocar pessoas diferentes em cargos importantes. Por quê? Para dar mais visibilidade. E quanto mais pessoas fazendo isso, quanto mais pessoas trans, negros, pessoas diferentes fazendo isso vai ficando normal.”
Ela revela que resolveu participar do concurso para o evento com esse objetivo, de desmistificar e servir como inspiração para outras pessoas. “Eu quero que a minha história sirva de inspiração, porque nós somos capazes de realizar nossos sonhos, nossas metas, e não ser refém da nossa história, e sim autores da nossa história.”

E mesmo com pessoas insistindo para ela desistir, para Fabiana, o desafio se tornava ainda mais atraente, e era superado pelo desejo de ser referência para outras pessoas intersexo. “Sempre as pessoas falando ‘Não!’, ‘Não vai! Não se inscreva porque você não vai conseguir!’. E eu sempre gostei do desafio. Por que as pessoas podem isso aqui e eu não posso? Eu sou igual a todas as pessoas! Então, eu preciso provar pra mim mesma, eu preciso me superar pra que eu possa servir de referência.”
Ela conta que se preparou para o momento que está vivendo, e sabia que se tornar rainha do rodeio poderia trazer comentários e críticas a respeito de seu corpo. Mas, ainda sim, sabia da importância de ocupar esse lugar.

“Preparei meu corpo, me preparei psicologicamente, me preparei em todas as áreas para dar o meu melhor. Não foi porque eu nasci assim que eu ganhei o concurso, e sim porque houve uma preparação, até para que quando eu chegasse também nessa situação que eu estou passando agora eu também estivesse preparada para isso.”

Sendo sempre apaixonada pelo mundo artístico, Fabiana percebe que o reconhecimento pode fazer a diferença e transformar a vida das pessoas que a acompanham. “Eu sou apaixonada pelo universo artístico. E, principalmente no meu caso, é muito bom, porque eu consigo fazer a diferença. É um lugar onde eu tenho uma plataforma maior para alcançar mais pessoas também. E eu quero entrar para história para mudar a história de muitas pessoas.”

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