O cantor Leonardo foi incluído na ‘lista suja’ do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), divulgada nessa segunda (7), após uma fiscalização resgatar seis trabalhadores de fazenda em condições de trabalho semelhantes à escravidão em Jussara, noroeste de Goiás. No relatório, fiscais descreveram os alojamentos onde os funcionários dormiam como “precários”, sem banheiros, com camas improvisadas, infestação de morcegos e fezes.
A fiscalização ocorreu em duas fazendas, que ficam próximas uma da outra: a Lakanka, e a Talismã, que é avaliada em R$ 60 milhões. A segunda é citada porque, apesar dos trabalhadores resgatados estarem na Fazenda Lakanka, as duas ficam em área contígua, e fazem parte do mesmo conjunto de operações agrícolas (veja detalhes mais abaixo).
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O cantor e sua defesa dizem que o caso se refere a uma parte da Fazenda Lakanka que está arrendada para outra pessoa para o plantio de soja e que, portanto, os funcionários dessa área não são de responsabilidade direta de Leonardo. Dizem também que o cantor não tinha conhecimento das práticas de trabalho escravo. Saiba mais sobre o que diz a defesa de Leonardo abaixo.
A ação fiscal aconteceu em novembro de 2023, nas fazendas Lakanka e Talismã, em Jussara. Foram identificados 18 trabalhadores, mas somente seis estavam em condições análogas à escravidão, incluindo um adolescente de 17 anos. O nome da fazenda Talismã homenageia um dos maiores sucessos da dupla Leandro & Leonardo, de 1990.
Os trabalhadores catavam raízes na Fazenda Lakanka, que, de fato, está arrendada para outra pessoa, que não Leonardo. Mas o relatório explica que todos os trabalhadores prestavam serviço para Leonardo, mesmo que de forma indireta e, por isso, ele foi responsabilizado.
Os seis funcionários resgatados dormiam em uma casa abandonada, localizada a 2km da sede da Fazenda Lakanka. Segundo os fiscais, local era feito de alvenaria, coberto com telhas de barro sobre uma estrutura de madeira e forro de PVC. Mas estava sem manutenção e com telhas deslocadas, permitindo a passagem de água de chuva, que, em algumas ocasiões, molhou pertences dos trabalhadores.
Segundo o documento, o dormitório foi improvisado pelos empregados, que usaram tábuas de madeira encontradas jogadas pelos arredores para usarem como suporte para os colchões.
“Os empregados fizeram uso de objetos abandonados que encontraram para improvisar tarimbas, como tábuas de madeira, portas velhas, galões de agrotóxicos, tijolos e tocos e colocaram sobre estas colchões velhos, pedaços de espuma e cobertores que trouxeram”, destaca o documento.
Fiscais afirmam que, no momento da inspeção, dois trabalhadores irmãos dormiam juntos num colchão de casal colocado em cima de uma tábua improvisada. Em outras três tarimbas improvisadas, dormiam outros três empregados; e, em uma rede adquirida com recursos próprios, um trabalhador.
A equipe de fiscalização verificou que existia uma infestação de morcegos, com fezes dos animais em todos os cômodos, além da existência de muitas formigas no local e histórico de presença de outros animais, como cobras e escorpiões. Inclusive, no dia da inspeção, havia uma cobra morta perto do alojamento.
Sem banheiro e chuveiro
O alojamento tinha, originalmente, um banheiro, mas ele estava totalmente inoperante, sem água e com indícios de abandono, havendo fezes de morcegos acumuladas e insetos. Por isso, os empregados usavam árvores próximas para fazerem xixi e cocô, sendo encontrado grande acúmulo de papel higiênico, além de fezes concentradas em dois locais, abaixo de uma árvore nos fundos da casa e na área de bambuzal, um pouco mais longe da casa abandonada.
Como não havia chuveiros ou qualquer local para tomar banho, os empregados improvisaram uma mangueira preta amarrada à estrutura de madeira, a qual foi ligada a uma bomba de água submersível dentro de um poço, com acionamento por um disjuntor fora de caixa e com fuga de corrente.
Segundo o relatório, os empregados explicaram que tomavam choques ao acionarem o disjuntor após o banho para desligar a bomba, quando ainda estavam molhados. Como não havia local para lavar as roupas, já que o único acesso à água no alojamento era esta mangueira preta, os empregados, além de se banhar no local, também lavavam suas roupas ali.
Sem água potável
A única água disponível era essa captada no poço. Ocorre que o poço estava também desprovido de qualquer manutenção, segundo os fiscais, com uma tampa quebrada, que permitia a entrada de animais, como roedores e aves, que poderiam se afogar e ficar apodrecendo no interior, gerando contaminação da água.
Para não passarem sede, os empregados se deslocavam até a sede da Fazenda Lakanka, situada a aproximadamente 2km de distância do alojamento, munidos de garrafas de água emprestadas pelo arrendatário daquela fazenda.
Segundo o relatório, o deslocamento era feito a pé, no trator ou no veículo de um dos empregados, quando havia gasolina neste, onde enchiam as quatro garrafas térmicas de que dispunham com capacidade de cinco litros cada.
Na sede da Fazenda Lakanka, em cômodo do barracão onde funcionava uma oficina, havia um bebedouro refrigerado com três torneiras, onde os empregados enchiam as garrafas. Destaca-se que esta água também não recebia tratamento.
Os outros 12 trabalhadores
Os outros 12 trabalhadores estavam em atividades diversas, como preparo do solo para o plantio de soja, manutenção de cercas, e outras funções.
Segundo o documento, apesar de também trabalharem de maneira informal, sem registro e direitos trabalhistas garantidos, as condições de vida e trabalho deles não foram consideradas tão degradantes a ponto de configurar uma situação de trabalho análogo ao de escravo.
A Fazenda Talismã, avaliada em R$ 60 milhões, é citada porque, apesar dos trabalhadores resgatados estarem na Fazenda Lakanka, as duas fazendas estão fisicamente próximas e fazem parte do mesmo conjunto de operações agrícolas.
Além disso, o relatório explica que alguns dos trabalhadores encontrados na Fazenda Talismã estavam alojados em melhores condições do que os que foram resgatados da Fazenda Lakanka. Esse fato justifica a menção à Talismã, pois ela era parte da operação e empregava trabalhadores.
Outra razão de ambas as fazendas terem sido citadas pela fiscalização é que as duas estão sob o controle de Emival Eterno da Costa – nome verdadeiro do cantor Leonardo.
Defesa diz que cantor ‘não era responsável’ por trabalhadores
Pedro Vaz, advogado do cantor Leonardo, falou ao g1 que a inclusão do nome do artista na ‘lista suja’, na segunda-feira (7), causou ‘estranheza’. Isso porque, desde 22 de agosto de 2022, a área em questão está arrendada para outra pessoa realizar o cultivo de soja, não sendo, portanto, de responsabilidade de Leonardo a gestão dos funcionários envolvidos.
Segundo a defesa do cantor, quando o Ministério Público do Trabalho se manifestou, um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) foi firmado, e “todos os problemas foram resolvidos”, mesmo sem serem de responsabilidade direta de Leonardo, dado o arrendamento da fazenda.
Também de acordo com o advogado, as indenizações devidas foram pagas, e o acordo proposto pelo Ministério Público foi aceito, resultando no arquivamento dos processos.
“Como a matrícula estava em nome do Leonardo, o Ministério Público do Trabalho propôs a ação. Na audiência, a gente apresentou o contrato de arrendamento e aí tudo foi esclarecido, mas pra que evitasse qualquer tipo de problema, nós pagamos todas as verbas indenizatórias naquele momento mesmo e tudo ficou sanado”, explicou Vaz.
Em nota, o Ministério Público do Trabalho confirmou que o inquérito civil foi aberto em 2023, correu em sigilo, e foi arquivado em abril de 2024. Explicou também que a inclusão na lista suja é uma atribuição do Ministério do Trabalho e Emprego.
A defesa de Leonardo informou que “estão sendo tomadas as medidas necessárias para remover o nome de Leonardo da lista mencionada”.
O Ministério do Trabalho e Emprego explicou que a ‘lista suja’ é atualizada semestralmente e visa dar transparência aos atos administrativos decorrentes das ações fiscais de combate ao trabalho análogo à escravidão. A inclusão de pessoas físicas ou jurídicas na lista ocorre somente após a conclusão do processo administrativo que julga o auto específico de trabalho análogo à escravidão. O nome de cada empregador permanecerá publicado por um período de dois anos.
‘Jamais faria isso’
No mesmo dia em que a lista foi atualizada com seu nome, Leonardo usou as redes sociais para se manifestar sobre o assunto. O cantor lamentou a situação dizendo que não sabia do que estava acontecendo, já que arrendou a terra. Ele também reforçou que ‘jamais faria isso’.
“Surgiu um funcionário lá nessa fazenda que eu arrendei, que eu não conheço, nunca vi falar, nunca vi, e de repente eu fui visitado pelo Ministério Público do Trabalho, e foi lavrada uma multa pra mim, pra mim que sou o proprietário da fazenda”, afirmou.
“Gente, eu já plantei tomate, eu sei como é que é. A vida é difícil lá. Eu, do meu coração, jamais, jamais faria isso. Então, eu acho que há um equívoco muito grande sobre a minha pessoa. Eu não me misturo, eu não me misturo nessa lista aí que eles fizeram aí de trabalho escravo”, lamentou.
Fonte: G1