O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes, suspendeu, na tarde desta quinta-feira (22), o julgamento de uma ação do Partido Democrático Trabalhista (PDT) que pede a inelegibilidade de Jair Bolsonaro e Walter Braga Netto, candidatos à Presidência da República nas Eleições 2022.
O julgamento continuará a partir da próxima terça-feira (27), em uma sessão que deve começar, às 19h, com a leitura do voto do relator do caso, ministro Benedito Gonçalves.
Moraes interrompeu a sessão após a leitura do parecer do Ministério Público Eleitoral (MPE), que foi favorável à inelegibilidade de Bolsonaro.
Sessão Plenária do dia 22 de Junho de 2023.
Antes do MPE, os advogados da acusação e defesa apresentaram seus argumentos sobre o processo, por 15 e 30 minutos, respectivamente.
No total, a Corte reservou três sessões ordinárias para julgar o caso. “Além da sessão desta quinta-feira (22), o Tribunal poderá prosseguir com o julgamento nas sessões subsequentes de terça e quinta-feira (27 e 29)”, informou o TSE.
No processo, o PDT acusa Bolsonaro de abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicações por conta de uma reunião com embaixadores, no Palácio da Alvorada, em julho de 2022, na qual ele fez ataques ao sistema eleitoral.
Nessa reunião, transmitida ao vivo pela TV Brasil na época, Bolsonaro teceu críticas a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e classificou como “lamentáveis” falas dos magistrados. Ele ainda colocou sob dúvidas os resultados das eleições presidenciais de 2018, na qual foi eleito com 55,13% dos votos válidos.
Em entrevista, Bolsonaro disse que o julgamento é uma “tempestade em copo d’água”.
“Eu não sei por que criar uma tempestade num copo d’água, apenas foi conversado com eles como funcionava o sistema eleitoral. Eu não falei a palavra fraude ali, no tocante às futuras eleições. Falei daquele inquérito da Polícia Federal de novembro de 2018 que até hoje não foi concluído ainda. Apenas isso. Qual o problema discutir esse assunto?”, questionou Bolsonaro.
Na mesma entrevista, Bolsonaro defendeu a reunião que fez com embaixadores. “Por que eu convidei os embaixadores e não convoquei? Porque dois meses antes, aproximadamente, o ministro do STF Edson Fachin, que compunha o TSE, reuniu-se também com aproximadamente 65 embaixadores e falou sobre eleições, sobre o sistema eleitoral e mandou uma mensagem muito parecida com o seguinte: ‘Tão logo o TSE anuncia o resultado das eleições, vocês façam sugestões junto ao respectivo chefe de Estado para que o reconhecimento do eleito se faça imediatamente’”, justifica o ex-presidente.
“Convidei os embaixadores, em torno de 60 apareceram, ou seus representantes, e falei sobre o sistema eleitoral brasileiro, como ele é na prática. E teci comentários sobre o inquérito de novembro de 2018 que começou e não foi concluído sobre possíveis fraudes nas eleições de 2018. Isso o que aconteceu. Então as possíveis críticas e observações não foram ataques, foram a resposta que eu dei ao ministro Fachin”, finaliza.
O presidente tem pedido, ainda, que o TSE utilize o mesmo critério de julgamento da chapa Dilma-Temer, em 2017. “Durante o julgamento, houve um intenso debate se as novas provas poderiam ser agregadas ao processo inicial movido pelo PSDB, em 2015. A discussão foi que essas novas provas não poderiam ser agregadas ao processo. Logicamente, ficou frágil a ação e, por 4 x 3, o TSE manteve a chapa Dilma-Temer”, afirmou Bolsonaro em visita ao Senado ontem.
O ex-presidente disse que “a jurisprudência não pode ser aplicada de acordo com a cara da pessoa que está sendo julgada: ‘a esquerda é assim, a direita é assado’”.
Entenda passo a passo como será o julgamento:
Etapas já concluídas:
Relatório da ação
O julgamento será aberto pelo relator da ação, o ministro Benedito Gonçalves. Ele deve apresentar o seu relatório do caso, que está disponível no site do TSE para consulta pública desde o início do mês. “O relatório contém o resumo da tramitação da ação na Corte, informando as diligências solicitadas, os depoimentos tomados, bem como as perícias e as providências requeridas pelo relator na etapa de instrução processual”, explica a Corte.
Acusação
Em seguida, o presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, concederá 15 minutos para os advogados de acusação, do PDT, para apresentarem a sustentação oral, com seus argumentos sobre o caso.
Defesa
Então, Moraes fará o mesmo para os advogados de defesa de cada uma das partes. Nesse caso, 15 minutos para os advogados de Bolsonaro, e 15 minutos para os de Braga Netto.
Parecer do MPE
Encerradas as sustentações orais, o presidente do TSE dará a palavra para o representante do Ministério Público Eleitoral (MPE) para que comunique o parecer do órgão sobre a ação. Em seu parecer final, o Ministério Público Eleitoral se manifestou a favor da inelegibilidade de Bolsonaro. No documento, o vice-procurador-geral Eleitoral Paulo Gustavo Gonet Branco disse que o discurso do ex-presidente na reunião com embaixadores representou um ataque às instituições eleitorais com objetivo de abalar a confiança do eleitorado. Gonet também afirmou que Bolsonaro, na ocasião, mobilizou parcelas da população contra o sistema eleitoral. As falas do ex-chefe do Executivo, segundo o MP Eleitoral, configuraram uso indevido dos meios de comunicação, abuso de autoridade, abuso de poder político e desvio de finalidade.
Acontecerá a partir de terça-feira (27):
Voto do relator
Finalmente, os ministros do TSE começarão a votar. O primeiro voto a ser apresentado é do relator do caso, o ministro Benedito Gonçalves.
Votos dos outros ministros
Na sequência, votam os ministros Raul Araújo, Floriano de Azevedo Marques, André Ramos Tavares, a vice-presidente do TSE, ministra Cármen Lúcia, o ministro Nunes Marques e, por último, o presidente do Tribunal, ministro Alexandre de Moraes. Os ministros, em tese, podem solicitar vista do processo, ou seja, mais tempo para analisar o caso: segundo o regimento interno da Corte, um prazo de 30 dias, renováveis por mais 30. Se a maioria da corte julgar a ação do PDT como procedente, segundo o TSE, “o órgão competente declarará a inelegibilidade do representado e daqueles que tenham contribuído para a prática do ato, com a aplicação da sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos oito anos seguintes ao pleito no qual ocorreu o fato”. “Além disso, está prevista a cassação do registro ou diploma do candidato diretamente beneficiado”, conclui a Corte.
A ação
O PDT acionou o TSE em agosto de 2022 questionando a reunião feita por Bolsonaro com embaixadores no Palácio da Alvorada, em julho de 2022.
O abuso de poder político — acusação feita pelo PDT — significa uma conduta ilegal praticada na campanha eleitoral e ocorre nas situações em que o acusado se vale de sua posição para agir de modo a influenciar o eleitor.
A punição para este tipo de ilícito é a inelegibilidade por oito anos, período no qual o político não pode disputar eleições.
O uso indevido dos meios de comunicação, segundo o PDT, se deu pela divulgação do discurso para os embaixadores pela TV Brasil, uma empresa controlada pelo governo.
O processo em que se discute o caso é uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE). É um tipo de procedimento mais complexo, que envolve levantamento de provas e depoimento de testemunhas.
No início do ano, a ação contra o ex-presidente foi turbinada a pedido do PDT. O TSE rejeitou um recurso da defesa de Bolsonaro e manteve a determinação do corregedor-geral que decidiu pela inclusão da chamada “minuta golpista” na investigação.
O documento foi encontrado pela Polícia Federal no armário de Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e Segurança Pública de Bolsonaro e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, e complica a situação de Bolsonaro neste caso.
A minuta previa um decreto de Estado de Defesa no TSE, o que permitiria ao então presidente Bolsonaro interferir nas atividades e atuação do tribunal — o que é inconstitucional.
A defesa de Bolsonaro argumenta desde então que o documento é apócrifo, não tem relação direta com o ex-presidente e que só serviria para ampliar indevidamente o objeto da ação.
Segundo o relator da ação, ficou constatada “inequívoca correlação” entre a existência da minuta e o escopo da ação para justificar sua inclusão no processo.
Consequências
O efeito de eventual condenação à inelegibilidade é imediato. Bolsonaro pode ainda recorrer ao próprio TSE com o tipo de recurso chamado “embargos”.
O instrumento não tem a capacidade de alterar o resultado do julgamento, e serve para que a Corte esclareça pontos supostamente obscuros ou contraditório da decisão.
Há ainda a possibilidade de recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF). Ao fim, a iniciativa também tende a não prosperar.
Isso porque quem dá a última palavra em temas eleitorais é o TSE. O Supremo avaliaria eventuais ofensas à Constituição no caso.
Um recurso hipotético que chegue ao STF pode ser objeto de uma decisão individual de algum ministro suspendendo a decisão da Corte eleitoral.
Pedido de vista
Para o advogado especialista em direito eleitoral e membro da Academia de Direito Eleitoral e Político (Abradep), Guilherme Gonçalves, a ação contra Bolsonaro no TSE é um “caso inédito” na Justiça Eleitoral.
Gonçalves também vê pouco efeito prático em algum pedido de vista de ministro do TSE.
Se houver, o julgamento é paralisado para que o magistrado possa ter mais tempo para analisar o processo. O prazo é de 30 dias, prorrogáveis por mais 30.
Os 30 dias do mês de julho, recesso judicial, não contam para o prazo. O que, em último caso, pode levar a uma paralisação total do julgamento de até 90 dias.
2030 ou 2032
Para o advogado, há uma controvérsia quanto à eleição em que Bolsonaro poderá voltar a disputar, caso seja condenado pelo TSE.
Isso porque o prazo de inelegibilidade é de oito anos, contados a partir de 2 de outubro de 2022 (data da eleição). O pleito de 2030 deverá ocorrer em 6 de outubro, dia que está fora do período de inelegibilidade.
“Há tendência na jurisprudência no sentido de que a inelegibilidade seria por quatro ciclos eleitorais, duas eleições municipais e duas nacionais”, disse.
“A tendência é que Bolsonaro fique inelegível por quatro ciclos, se for condenado. E a próxima eleição que ele poderia concorrer é a de 2032”.
Já o advogado Renato Ribeiro de Almeida, especialista em Direito Eleitoral, doutor em Direito do Estado pela USP e mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Mackenzie, discorda. Para ele, uma vez inelegível por oito anos, Bolsonaro estaria liberado para disputar o pleito de 2030 – uma eleição nacional.
“A lei trata de contagem de datas”, afirmou. “Ele eventualmente poderia, em tese, ser candidato em 2030. Pela própria lei, a inelegibilidade não se daria com o ciclo eleitoral, mas sim em datas de tempo, como se faz em sentenças de natureza penal”.
Para Almeida, o cenário em que o TSE condenar Bolsonaro servirá de sinalização a candidatos a prefeito e vice, nas eleições de 2024. “Ficará claro que não pode usar o cargo para se tentar a qualquer custo a reeleição”, afirmou.