Entre as 16 espécies de araras que existem no mundo, a arara-azul (Anodorhynchus hyacinthinus) é a maior, atingindo um metro de comprimento, com cerca de 1,3 quilo. Não há dimorfismo sexual, ou seja, fêmeas e machos têm a mesma plumagem marcada por um degradê azul-cobalto que se estende da cabeça à cauda.
Tudo azul. Será?
A informação pode até parecer estranha, mas a “arara-azul” não é azul. Nenhuma ave, mamífero, ou réptil têm o pigmento azul no corpo. Mas então, por que enxergamos as penas azuis? “Só enxergamos a ave assim, por causa das esferas microscópicas de dispersão de luz das penas”, explica o biólogo Bruno Carvalho, do Instituto Arara Azul, que faz o monitoramento da espécie no Pantanal.
Mas se a espécie não é “azul”, qual é a cor dessa arara? “É uma arara preta. Na parte de trás das penas dá para perceber bem essa cor. Quando olhamos na parte da frente, ela continua sendo preta também, só que por causa da disposição das fibras, quando o sol ilumina, as cerdas refletem a cor azul. Algo semelhante ao que acontece com as penas do beija-flor, um fenômeno chamado de iridescência”, esclarece Bruno.
Muito mais do que uma questão de beleza, com a plumagem em boas condições a arara-azul gasta menos energia durante o voo. As penas também precisam ser eficientes para repelir a água e evitar que o bicho se molhe. Outra função importante é a proteção térmica que a plumagem proporciona às aves. São por esses motivos, que as araras são tão caprichosas no cuidado com as penas. “As cerdas parecem um ‘velcro’. Quando ela passa o bico, fecha como se fosse um zíper reorganizando a plumagem. É fácil flagrar o animal na natureza passando o bico nas penas para arrumar”, completa Bruno.
“Sotaque pantaneiro”
Além do Brasil, a espécie vive em alguns pontos do Paraguai e da Bolívia. Apesar de encontrarmos a arara-azul no Cerrado e na Amazônia, é no Pantanal onde se tem a maior concentração dessas aves.
Em cada região, uma vocalização diferente. “Como trabalhamos em uma área grande no Pantanal e no Cerrado, com o tempo percebemos que na região pantaneira existem diferentes sotaques entre os grupos de arara-azul. A ave aqui no Mato Grosso se comunica diferente daquela do Mato Grosso do Sul. No Pantanal percebemos que a vocalização tem um som mais grave”, explica Bruno.
A arara-azul tem uma comunicação complexa e é uma ave bem sociável, vive em bandos de 10 a 30 indivíduos. Esse convívio também é uma estratégia de segurança durante a alimentação. Enquanto o bando se alimenta, uma arara-azul fica de sentinela e, a qualquer barulho ou movimento suspeito, dá um grito de alerta para o grupo fugir de possíveis ataques de predadores.
A espécie também divide os “dormitórios”, espaços onde se encontram para descansar, dormir ou ainda, se coçar e ajudar uns aos outros na limpeza das penas, prática conhecida como preening.
Precisa de ajuda para construir o ninho
A ave só se reproduz no oco das árvores de grande porte, como por exemplo, o manduvi, espécie muito comum no Pantanal. Mas para construir o ninho, a arara-azul conta com uma “ajudinha” de outros bichos. “Ela participa da construção, mas não faz sozinha. Uma broca pode começar o oco na árvore, aí vem um pica-pau aumenta um pouquinho, depois vem o periquito aumenta mais um pouquinho, até que o oco chegue a um ponto onde a arara-azul começa a participar desse processo também. Ela passa a construir, a moldar esse oco faz um trabalho de arquitetura mesmo, até atingir um tamanho adequado. É como se a broca começasse a obra e arara fizesse o trabalho de arquitetura mesmo”, brinca Bruno.
Mesmo depois de pronto, o ninho sempre precisa de manutenção. “Muitas árvores no Pantanal acabam cicatrizando e podem fechar esse oco. Para isso não acontecer, a arara vai sempre reformando, tirando com o bico lascas da árvore. Ela faz isso o ano inteiro e assim, mantém uma serragem no fundo também”, completa o biólogo.
Ave usa folhas como “guardanapo”?
No Pantanal, a espécie consome castanhas de palmeiras, principalmente, das sementes do acuri (Scheelea phalerata) e da bocaiúva (Acrocomia aculeata). São alimentos bem duros, por isso a arara-azul precisa ter habilidade para quebrar a casca do coquinho com precisão.
No Pantanal a equipe do TG flagrou uma cena inusitada: uma arara-azul usando a folha de uma árvore, como se fosse um “guardanapo”, para segurar o alimento, no caso, a castanha do acuri. “Como esse coquinho da palmeira é cilíndrico, para não escorregar as vezes a arara usa uma folhinha, ou um pedacinho de galho para conseguir apoiar a castanha e quebrar com o bico. Ela faz isso com bastante precisão para conseguir acessar a polpa dentro”, explica o pesquisador do Instituto Arara Azul.
O bico é forte e robusto, usado também no deslocamento pelas árvores. É muito comum observar a espécie limpar e afiar o bico nos galhos. A língua da arara-azul é predominantemente preta, com alguns detalhes amarelos.
Um filhote por ninho
A taxa de reprodução da espécie é baixa, a fêmea coloca de 1 a 3 ovos, mas geralmente apenas um filhote acaba se desenvolvendo. “Se a gente considerar que uma arara vai viver na natureza, mais, ou, menos de 30 a 35 anos; e que ela vai chegar na maturidade sexual com seis, ou, sete anos; a vida reprodutiva da espécie é reduzida para 23 anos. Isso representaria, aproximadamente, um filhote a cada dois anos. Representa uma taxa de reprodução baixa”, explica o biólogo.
O período de incubação dura de 28 a 30 dias e depois que sai do ninho, o filhote acompanha os pais por um longo período. “Eles precisam acompanhar o casal por uma fase para aprender encontrar o alimento e abrir a castanha”, completa Bruno.
Antes de se tornar ameaçada de extinção, a área de distribuição original da arara-azul era da América do Sul até a região Sul da América do Norte. Na lista de espécies ameaçadas, a ave chegou a ser classificada como “em perigo”, mas por causa de diversas iniciativas de proteção, hoje é considerada apenas “vulnerável”.
O Instituto Arara-Azul, que nasceu da paixão da bióloga Neiva Guedes, criou uma iniciativa determinante para garantir o sucesso na reprodução da espécie. Pesquisadores instalaram no Pantanal ninhos artificiais para abrigar as araras-azuis durante a fase reprodutiva, dos 826 ninhos cadastrados da espécie, 353 são artificiais.
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