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Professora doa rim para marido

Quando soube que poderia doar um dos seus rins para o seu marido, a professora Flávia Cristina de Souza Cezário, de 44 anos, não pensou duas vezes. Mesmo com as probabilidades de compatibilidade sendo desfavoráveis, insistiu na tentativa de dar uma melhor condição de vida ao seu companheiro José Antônio Cesário, de 56 anos.

“É um privilégio ser escolhida para ser o instrumento de uma nova vida, ainda mais para quem a gente ama”, disse a moradora de Porto Ferreira (SP). No Setembro Verde, mês de conscientização para a doação de órgãos, o casal que espera que a história estimule esse ato de amor.

Problemas renais
Os dois se conheceram em 2014, quando Cezário, que é técnico de som, foi fazer o som da festa de aniversário de Flávia. Um ano depois já estavam casados. Na época, Cezário já era diabético e hipertenso e fazia acompanhamento com nefrologista, pois tinha um histórico familiar de problemas renais. Com o passar dos anos, a função renal foi diminuindo até que, em 2018, ele foi indicado para a hemodiálise.

“Conseguimos uma vaga na clínica de hemodiálise considerada referência na nossa região pelo tratamento humanizado que proporciona o mínimo de qualidade de vida aos pacientes, mas, ainda assim, só quem convive com um paciente insuficiente renal em hemodiálise sabe o quão sofrido é”, contou a professora.

Com o tratamento, veio uma série de restrições. Cezário não podia mais ingerir líquidos, passou a ter uma alimentação controlada e parou de trabalhar. “É como uma prisão. Não era possível fazer viagens longas, a gente ia, no máximo, para locais próximos durante o final de semana. Até nossos amigos chegaram a pensar em parar de beber nos churrascos porque ele não podia beber nada”, disse Flávia.

Em 2019, Cezário entrou na lista do transplante e se tornou um candidato a receptor de rim cadáver. Antes da pandemia do novo coronavírus, o tempo médio para conseguir um transplante de rim no Brasil era de três anos.

Pesquisa sobre transplante renal
Tanto tempo era preocupante e a solução da reduzir a espera apareceu quando, em uma pesquisa sobre o transplante renal, Flávia descobriu que além dos parentes de primeiro graus, cônjuges também podiam ser doadores vivos.

A probabilidade de compatibilidade é reduzida por não haver ligação genética, mesmo assim ela se candidatou como doadora em dezembro de 2019. O exame foi agendado para abril de 2020. Em março, porém, com a pandemia, o exame foi cancelado.

A partir daí foram dois anos de angustiante espera até os efeitos do coronavírus abrandarem e os procedimentos médicos entrarem em compasso de normalidade. Neste tempo, a função renal de Cezário zerou e ele parou de urinar em julho de 2021.

Sem poder tomar água e com restrição a vários alimentos, além de ter que ficar ligado a uma máquina de hemodiálise por quatro horas, três vezes por semana, levaram a qualidade de vida de Cezário a um nível preocupante.

Compatibilidade é difícil, mas não rara

O casal só conseguiu fazer o exame em dezembro do ano passado e, para a felicidade do Cezário e Flávia, o resultado apontou compatibilidade de mais de 60%.

“É uma compatibilidade semelhante a de irmãos. Não é algo muito raro, mas é difícil ter tanta compatibilidade entre pressoas que não são consanguíneas”, explicou o nefrologista Adriano Souza Lima Neto, que tratou de Cezário no Serviço de Nefrologia de Pirassununga (Senepi).

Começou, então, uma fase de avaliação rigorosa das condições físicas e psicológicas de Flávia, que foi feita para apurar se os dois rins estavam em plena função e se ela poderia ter uma vida saudável apenas com um órgão, sem risco de desenvolver uma insuficiência renal crônica.

“Todos os exames foram feitos. Um trabalho investigativo minucioso para que a minha saúde fosse preservada e a dele significativamente melhorada”, contou Flávia. O transplante foi marcado para julho, mas no dia da cirurgia, já no hospital, Cezário testou positivo para Covid e, mais uma vez, o procedimento foi adiado.

O transplante foi realizado, por fim, com sucesso em 30 de agosto, no Hospital do Rim, em São Paulo. As operações, a de retirada e a de implantação do rim, foram quase simultâneas.

“É uma mistura de Deus com ciência”, definiu Flávia, que teve alta dois dias depois, com apenas uma pequena cicatriz na barriga. Cezário foi liberado na mesma semana e segue em recuperação. A comemoração do sucesso da cirurgia foi brindada com água.

“Eu chorei de felicidade por ele tomar um copo d’água depois de tanto tempo. Quando a enfermeira trouxe a água, ele já fez o movimento de bochechar para cuspir e aí ele olhou pra mim e eu disse que ele podia beber, ele bebeu e a enfermeira encheu novamente o copo. Não existem palavras para descrever a sensação de ver a pessoa que amamos ter uma nova vida”, lembrou.

Um mês após o transplante, Cezário segue em plena recuperação, já ganhou peso e até a cor da pele mudou e já está a espera de voltar a sua vida normal com Flávia. Os planos para isso já estão em andamento e o casal já marcou a primeira viagem longa em quatro anos, que será para Salvador, em dezembro.

“Primeiro tem que cuidar bem desse rim e voltar a vida normal com todos os cuidados. Agora, tem um que cuidar do outro porque ela só tem um rim também”, disse o técnico de som.

Setembro Verde
Flávia faz parte de uma pequena parcela da população que é doadora viva. Mesmo com a possibilidade de incompatibilidade e o desincentivo de algumas pessoas, ela persistiu e conseguiu dar ao seu esposo uma vida mais saudável e mais feliz ao seu lado.

A conscientização sobre a doação de órgãos e tecidos foi o foco do Setembro Verde, movimento que tem o objetivo de ampliar o número de transplantes e doadores no país. O mês foi escolhido em alusão ao Dia Nacional do Doador de Órgãos, comemorado em 27 de setembro, e reúne campanhas de estímulo e combate a notícias falsas, polêmicas, tabus e desinformação em torno do tema.

Flávia acredita que se mais pessoas soubessem sobre a doação em vida, a fila seria menor e também os serviços de hemodiálise seriam menos sobrecarregados.

“A gente vive em um país que as pessoas não doam sangue, mas eu espero que com um pouco de informação a população perceba que é possível ajudar a salvar vidas.”
Segundo o nefrologista Adriano Souza Lima Neto, a doação em vida tem poucos riscos, apenas aqueles inerentes a realização de uma cirurgia. Em contrapartida é mais segura para o paciente e tem a recuperação mais rápida porque o preparo do paciente é mais adequado e a cirurgia em si mais rápida.

Além disso, a dosagem dos imunosupressores (remédios para evitar rejeição) são menores. “Isso acontence porque o órgao não precisa de ser resfriado como o de doador falecido e o tempo ‘fora do corpo’ é muito menor, o órgao já é retirado e transplantado”, explicou o nefrologista.

Ele ressalta que a iniciativa da doação deve partir do doador. “Muito parte da pessoa que oferece para doar. Você vê que o paciente não pergunta para o parente se ele quer doar, geralmente, tem que ser o contrário, senão não dá certo.”

Para Flávia, a falta de informação é uma barreira para que haja mais doações. “O que poucos sabem é que é possível viver tranquilamente com um rim apenas, que existem pessoas que nascem com um único rim e demoram inclusive para descobrir por este único realizar a função renal completa”, disse.

Falta doadores
Segundo a Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO), em 2020, o Brasil ficou em quarto lugar em número de transplantes renais com 4.830 procedimentos, mas os números ainda são baixos frente à necessidade que foi de 12.609 procedimentos naquele ano.

Por outro lado, o número de doações caiu. Quando comparado com os valores pré-pandemia, o número de transplantes renais em 2022 com doador falecido foi 34% menor e de doador vivo, 45% menor.

Flávia espera que essa situação se reverta e, assim como seu marido, outras pessoas tenham oportunidade de ter sua vida renovada.

“Que nosso procedimento sirva de exemplo para outras pessoas. Que haja mais campanhas de conscientização e informação, visto o grande número de pessoas que esperam anos na fila”, disse Flávia.

adminn

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