A Polícia Civil de São Paulo pediu à Justiça a prisão preventiva da estudante de medicina da USP Alicia Dudy Muller Veiga, de 25 anos. A aluna da Universidade de São Paulo é investigada por desviar R$ 937 mil da formatura da turma. O dinheiro seria usado para a festa dos formandos do curso.
Nesta segunda-feira (30) ela foi indiciada pela polícia por ter cometido nove vezes o crimes de apropriação indébita em concurso material. O inquérito foi relatado pelo 16º Distrito Policial (DP), Vila Clementino, para o Ministério Público (MP) que irá se manifestar e a Justiça decidir.
Secretaria da Segurança
Até a última atualização desta reportagem não havia uma decisão a respeito, segundo informou a Secretaria da Segurança Pública (SSP), nesta terça-feira (31).
“O caso foi investigado por meio de inquérito policial instaurado pelo 16º Distrito Policial (Vila Clementino). O procedimento foi relatado ao Poder Judiciário na última sexta-feira (27) com o indiciamento da autora por nove apropriações em concurso material. A autoridade policial representou pela prisão preventiva da autora, que está sob análise da Justiça”, informa comunicado da pasta da Segurança.
A SSP não explicou, no entanto, quais foram os motivos que levaram a delegacia a pedir a prisão de Alicia. A reportagem apurou que o pedido da preventiva se baseou no fato de que a polícia entendeu que se ela continuar solta, ela poderá atrapalhar a investigação e fugir para outros estados ou país já que “se apropriou de vultosas quantias em dinheiro”.
Segundo o 16º DP, a postura de Alicia quando foi ouvida pelos policiais foi de “uma pessoa que tem certeza da impunidade, a ponto de sair sorrindo do interrogatório.”
Ministério Público
Por meio de nota, o MP comunicou que vai analisar as informações apresentadas pela polícia para “firmar a sua convicção a respeito dos fatos, o que poderá ensejar o oferecimento de denúncia” ou investigações complementares.
Se o Ministério Público oferecer denúncia contra Alícia, ela passaria a ser acusada. A acusação seguiria então para a Justiça, que poderá tornar a estudante ré no processo.
O TJ informou que não iria comentar o assunto por que “o inquérito policial é protegido pelo segredo de Justiça e pelo sigilo externo”, e “não informamos sobre pedidos de prisão, para não atrapalhar as investigações.”
Alicia
Ela foi ouvida pela polícia em 19 de janeiro, em São Paulo. E confirmou que desviou os valores que seriam usados para a festa de formatura por entender que os recursos não estavam sendo bem administrados pela empresa contratada, mas fez “aplicações ruins” e acabou perdendo dinheiro.
No “desespero”, ela diz que tentou recuperar o montante fazendo apostas em uma lotérica. Ela também admitiu que usou em benefício próprio uma parte das quantias para pagar despesas pessoais, como aluguel de carro, apartamento e compra de eletrônicos. A estudante afirma ter agido sozinha.
De acordo com o interrogatório, Alicia tem renda mensal de cerca de R$ 4.500. Ela assumiu à polícia que a história que contou aos colegas da comissão de que teria investido o dinheiro da formatura em um fundo e sofrido um golpe era mentira.
Defesa
A defesa de Alicia divulgou nota à imprensa para informar que não há motivos para a polícia pedir a prisão da estudante.
“De acordo com entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça, dada a natureza excepcional da prisão preventiva, ela só pode ser aplicada quando evidenciado o preenchimento dos requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal, e por ser medida excepcional, somente é DECRETÁVEL EM CASOS DE EXTREMA NECESSIDADE E CONDICIONADA a uma daquelas circunstâncias de referido artigo. Os fundamentos apresentados são vagos e por isso não são válidos para justificar o pedido da prisão preventiva, porque nada dizem sobre a real periculosidade da acusada, que SOMENTE PODE SER DECIFRADA À LUZ DE ELEMENTOS CONCRETOS constantes em referido procedimento investigativo! A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça já se posicionou no sentido de que “a simples invocação da gravidade genérica do delito ou da necessidade da medida para aprofundar as investigações, SEM APONTAR QUALQUER FATO EFETIVO E CONCRETO, não se revela suficiente para autorizar a segregação cautelar com fundamento na garantia da ordem pública”. Como a jurisprudência do STJ também estabelece que a presença de condições pessoais favoráveis, como primariedade e bons antecedentes, IMPEDE, POR SI SÓ, a decretação da prisão preventiva, a defesa está confiante no indeferimento de referido pedido”, informa trecho do comunicado assinado pelo advogado Sérgio Ricardo Stocco Caodaglio Giolo.
O caso
Alícia era presidente da comissão de formatura dos estudantes de medicina da USP. Segundo a delegada Zuleika Gonzalez Araujo, a nova presidente da comissão de formatura foi ouvida na última sexta-feira (27) pela investigação. A testemunha afirmou que Alicia mudou as senhas de acesso ao e-mail da comissão.
A nova presidente contou ainda que o grupo não teve mais acesso às informações e aos avisos da empresa organizadora do evento sobre as transações feitas por Alicia.
Na semana passada, investigadores do 16º Distrito Policial foram ao apartamento de Alicia cumprir um mando de busca e apreensão autorizado pela Justiça:
Eles apreenderam aparelhos eletrônicos, um carro alugado por Alicia e um caderno com anotações sobre o crime que teriam sido feitas por ela. Nas folhas os textos demonstram um suposto arrependimento e, também, à frustração ao não conseguir recuperar o dinheiro.
Também foram encontrados e apreendidos 17 comprovantes sobre quantias em dinheiro que Alicia havia ganhado na loteria. No entanto, ela teria perdido mais dinheiro do que arrecadado. Os bancos em que a estudante tem conta têm 60 dias para encaminhar à polícia a quebra de sigilo autorizada pela Justiça.
O carro alugado pela estudante de medicina e que foi apreendido pela polícia tem registros de infrações de trânsito nos últimos 12 meses, quando o veículo estaria com ela. O Nivus, da Volkswagem, foi alugado por 18 meses ao valor mensal de R$ 2.190. Um iPhone teria sido alugado por R$ 3 mil. Tudo foi apreendido.
Aluna recebe dinheiro
Representantes da ÁS Formaturas, contratada pelos formandos de medicina da USP para fazer a festa deles, confirmaram à polícia que a empresa transferiu quase R$ 1 milhão para a conta bancária de Alicia, que até então era a presidente da comissão de formatura.
Segundo o boletim de ocorrência sobre o caso do sumiço do dinheiro registrado por dois alunos, Alicia solicitou à empresa ÁS Formaturas a transferência de R$ 927 mil em três parcelas:
R$ 604 mil, para ser transferido para uma conta pessoal no seu nome;
R$ 145 mil, que foram transferidos para uma conta em que o beneficiário não foi identificado;
R$ 171 mil, que foram transferidos para uma conta em que o beneficiário não foi identificado.
Antes, Alicia afirmou ter aplicado R$ 800 mil em uma corretora de investimentos chamada Sentinel Bank, mas voltou atrás na versão quando foi ouvida pela polícia.
Festa mantida
A ÁS Formaturas também se reuniu com o Procon-SP na semana passada e informou que não vai repassar aos alunos o prejuízo de R$ 927 mil desviados pela aluna. A empresa também concordou em bancar com fornecedores a mesma estrutura da festa que havia sido contratada.
A empresa tem 15 dias para entrar em contato de forma individual com os cerca de 130 alunos envolvidos e apresentar a proposta, segundo o Procon-SP. A ÁS já havia feito a celebração da turma anterior, a 105ª.
No caso de os alunos aceitarem o plano, que deve se desenrolar em um ano até a realização, o Procon-SP irá acompanhar o caso. Se forem comprovados ao fim de todo o processo problemas relacionados com a empresa, uma multa de até R$ 12 milhões pode ser aplicada.
Mas segundo a polícia, os documentos apresentados pela ÁS demonstram que a empresa não tem responsabilidade pelos desvio do dinheiro.
“O contrato autorizava eles a fazerem essas transferências para os membros da formatura, para qualquer um dos representantes da comissão”, disse a delegada Zuleika.
Alicia recebeu R$ 3.000 de Auxílio Emergencial do governo federal. Segundo a investigação, a estudante é de família de origem humilde.
“Inclusive, o valor pago por cada estudante para empresa na formatura era de R$ 12 mil. Os estudantes que comprovassem uma situação financeira econômica um pouco mais difícil pagariam R$ 6 mil. Ela foi agraciada com essa possibilidade”, falou a delegada.
Quem é a estudante
Natural do interior de São Paulo, Alicia Dudy Muller ingressou na faculdade de medicina em 2018. Ela está no sexto ano do curso. Alicia nasceu em Itararé, mas reside em um prédio na Vila Mariana, na Zona Sul da capital. Na plataforma Currículo Lattes, que reúne dados sobre estudantes e pesquisadores, ela informou ter feito o ensino médio na Escola Técnica Estadual Getúlio Vargas, na região do Ipiranga.
Em entrevista para a Rádio USP em fevereiro de 2018, ela afirmou que tinha passado no curso de farmácia e até feito a matrícula, mas desistiu e decidiu fazer cursinho por mais um ano para tentar entrar em medicina.
Em um vídeo gravado há quatro anos para o cursinho em que estudou, Alicia comentou sobre o processo de aprovação na Faculdade de Medicina da USP. O registro foi publicado em 14 de maio de 2018.
“É difícil descrever como é ter um sonho realizado, porque são anos batalhando. Mas agora é uma sensação de compensação. É todo tempo que você gasta fazendo simulado, estudando pós aula, parece que aquilo não foi nada comparado àquele dia que você vê seu nome na lista”, diz Alicia no vídeo.
Inquéritos
A jovem é alvo de dois inquéritos policiais. São eles:
O 16° DP investiga crime de apropriação indébita, relativo ao dinheiro da formatura;
A Delegacia Especializada em Investigações Criminais (DEIC) de São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, apura os crimes de estelionato e lavagem de dinheiro contra uma lotérica, cometidos em 2022.
A polícia já que o dinheiro usado pela estudante em apostas não pagas – feitas no ano passado em uma lotérica da Zona Sul de São Paulo – poderia ter sido desviado da festa de formatura.
Em abril de 2022, a suspeita fez quase R$ 20 mil em apostas na Lotofácil, todas pagas via PIX;
Depois disso, passou a fazer várias apostas em grandes valores;
No total, ela teria apostado R$ 461 mil;
Em julho de 2022, a estudante teria solicitado R$ 891,5 mil em apostas;
Após a operadora de caixa registrar R$ 193,8 mil em apostas, a gerente da lotérica questionou sobre o pagamento, e a suspeita disse que tinha realizado um agendamento da transferência;
A estudante fez uma movimentação muito inferior, de R$ 891,53, na tentativa de fazer com que os funcionários da lotérica pensassem que seria o valor total de R$ 891,5 mil;
Após breve discussão, a suspeita saiu da lotérica com cinco apostas de R$ 38,7 mil cada uma.
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