“Não dar ouvidos para quem tem conotação negativa, acreditar em si mesmo e se esforçar demais”. Aos 58 anos, o estudante e futuro médico Cláudio Valente faz planos sobre início de carreira e reúne em uma frase parte do que aprendeu como essencial fora dos livros para, depois de atuar por três décadas como engenheiro em metalúrgicas, realizar o sonho de cursar medicina na Unicamp.
Ele é um dos 131 estudantes com mais de 40 anos que ingressaram na universidade estadual entre 2019 e 2023 para realizar graduações, segundo a comissão organizadora dos vestibulares (Comvest). Deste total, 90 permanecem em estudos na Unicamp, o equivalente a 68,7%.
Aluno do quinto e penúltimo ano da graduação, Cláudio chegou em 2019 a Campinas (SP) com a mulher Mônica e o filho mais novo, de 10 anos. Outras três filhas, adultas, ficaram na capital paulista.
A volta às salas de aula foi comparada por ele como a subida de uma escada com vários degraus. O ponto de partida foi São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, onde começou a trabalhar aos 17 anos e optou por estudar engenharia mecânica para tentar crescimento em indústrias da região. À época, contou, fazia diariamente o percurso até Santos, litoral paulista, onde havia curso no período noturno.
“Depois casei com 22 anos, a vida seguiu, as obrigações se acumularam e só pude retomar a ideia da medicina depois que me aposentei, com três dos quatro filhos já crescidos. Me aposentei num dia, no outro sentei no banco do cursinho, as aulas já estavam rolando há um mês”, contou Valente.
Saga dos cursinhos
Valente só conseguiu passar no Vestibular 2019 da Unicamp após dois anos de cursinho. No primeiro, explicou, houve dificuldades de integração, por conta da diferença de faixa etária em relação aos colegas de sala adolescentes, e pelo tempo que não visitava conteúdos do ensino médio. “Fiz alguns cursos, mas tive um intervalo de 30 anos. Parece que você nunca aprendeu aquilo na vida”, falou.
Porém, segundo ele, as adversidades foram transformadas em estímulos para ir adiante. “Não passei, mas animei. Quando saiu a última chamada, eu era 20º. Puxa, com tanta dificuldade, continuei a estudar e no segundo ano consegui na primeira lista. Passei na Unifesp [Universidade Federal de São Paulo], mas queria mesmo Unicamp”, explicou o estudante sobre o início da trajetória com jaleco.
No vestibular tradicional aplicado em 2019, a Unicamp registrou concorrência de 330 candidatos para cada uma das 88 vagas disponíveis em medicina. Outras 22 foram oferecidas em outras modalidades.
Apoio x descrédito e planos
Claudio ponderou que a questão de ter se aposentado e recebido apoio da família foram fundamentais para o sucesso. Na trajetória de estudos, lembrou, chegou a ouvir relatos de pessoas próximas que desacreditaram a hipótese dele passar no vestibular. “Muita gente. ‘Ah, você não vai conseguir, nem a rapaziada consegue, acha que vai entrar?’, isso desanima. Mas depois que consegui eu pensei. ‘Se consegui aos 53 anos e tivesse me esforçado mais cedo, acho que teria mais facilidade'”, falou.
O estudante admitiu que a rotina é desafiadora e faz planos de atuar na área de clínica médica após término da faculdade por considerar a mais adequada para o que ele busca no atual momento de vida.
“Tem que estudar muito, ter dedicação. A Unicamp tem plantão noturno, a gente se cansa mais, a recuperação é mais lenta […] Apesar de achar certas áreas maravilhosas, eu foco mais na clínica médica. Dois anos de residência, mais compatível com a minha idade”, brincou.
Ao lembrar sobre casos de etarismo em outras faculdades do país, Valente frisou que a diversidade é respeitada pela Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp e disse esperar que a história dele sirva de inspiração para outras pessoas que sonham em ingressar ou retornar à universidade.
“Seja por parte da instituição ou dos estudantes, nunca sofri ou presenciei qualquer ato de constrangimento envolvendo idade, gênero ou cor de pele. Espero que [a própria história] incentive outras pessoas”, ressaltou o futuro médico.
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