No comando da transição de governo, o vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB), encarna após o pleito uma das principais funções desejadas por Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na escolha de seu companheiro de chapa: um gesto ao centro e a sinalização de que seu terceiro mandato não será restrito ao PT. De largada, o petista também põe em prática a segunda missão que dizia querer do seu aliado: o compartilhamento da gestão da máquina do país, num gesto que afasta a possibilidade de ele ser um vice “decorativo”.
Para aliados de Alckmin e Lula, o poder delegado ao ex-tucano neste momento indica que ele poderá ter papel-chave e virar um braço direito do presidente eleito a partir de 1º de janeiro de 2023, dividindo funções de coordenação e negociação no governo. Há ainda integrantes do PSB que vão além e veem o vice em condições de se posicionar como potencial sucessor do petista em 2026.
Alckmin é cotado para ocupar alguns ministérios, entre eles o da Defesa. No entanto, ele disse a pessoas próximas preferir não ser titular de nenhuma pasta. O vice se define como um “copiloto” de Lula, disposto a aceitar a tarefa que lhe for solicitada. Ao mesmo tempo em que tem sido celebrado por aliados, o protagonismo de Alckmin incomoda alguns petistas pelo seu simbolismo. Uma ala do partido teme que o PSB tenha muito espaço nos ministérios e, sobretudo, tenha ingerência sobre o Ministério da Fazenda. Um grupo de petistas defende que Lula deixe a pasta econômica -central no governo- com um nome da própria sigla ou alguém alinhado.
Além disso, há reclamações de que o PT estaria com pouco acesso a informações da transição. A presidente do partido, Gleisi Hoffmann (PT-PR), é a coordenadora institucional da transição e ouviu cobranças por maior espaço na equipe, como mostrou a Folha de S.Paulo. Na coordenação do processo de trocas de informações e elaboração de programas do futuro governo, cabe a Alckmin definir a lógica como se dará esse trabalho. Ele também tem influência sobre nomeações.
A indicação de André Lara Resende e Persio Arida para coordenar a área de economia, por exemplo, ocorreu graças ao vice, que os conhece da época em que era filiado ao PSDB. A definição de que ambos dividiriam a coordenação com Nelson Barbosa e Guilherme Mello, ligados ao PT, foi tomada ainda na semana passada. A intenção é colocar nomes historicamente ligados a governo tucanos com outros mais afinados com o PT. Com o gesto, Lula agradou o mercado, que o pressiona a anunciar logo o nome de seu ministro da Fazenda.
A composição da transição, que abrange os dez partidos que se aliaram a Lula e outros que devem ser incorporados à base do Congresso, atende à declaração do petista de que o governo não será do PT. Alckmin encontrou-se com o presidente Jair Bolsonaro (PL) na semana passada. Ambos conversaram por menos de dez minutos no Palácio do Planalto, a pedido do próprio chefe do Executivo. Aliados dizem acreditar que Bolsonaro não deve propor encontro semelhante com Lula, que o derrotou nas eleições deste ano.
A escolha do ex-tucano como chefe da transição passou pela avaliação de Lula de que era preciso dar um ar de institucionalidade ao processo. Nesse sentido, o coordenador precisava ser uma pessoa com trânsito facilitado em diversas esferas da política. Se tivesse elencado um integrante do PT para essa função, poderia ter engessado o trabalho. Nos últimos dias, Lula disse a aliados que ficou satisfeito com o desempenho do vice nos primeiros dias à frente da transição. O petista avaliou que, além de reforçar a imagem de uma frente ampla, o estilo do ex-governador contribui para reduzir turbulências.
Segundo pessoas próximas a Alckmin, alguns de seus trunfos são o estilo cauteloso e as declarações meticulosamente calculadas, que evitam avançar sinais ou abrir margem para interpretações equivocadas. No passado, essas características lhe renderam a ele o apelido “picolé de chuchu”. Agora, esse estilo é visto como um ativo para o governo de transição. A decisão de entregar a Alckmin amplas atribuições faz parte da parceria que Lula espera ter com seu vice no governo, segundo aliados de ambos.
Durante a campanha, o petista dizia em reuniões privadas que espera que Alckmin participe das reuniões do conselho de governo. O petista tem reiterado que a primeira fase de seu governo será marcada por viagens internacionais. Nesses momentos, diz o presidente eleito, a Presidência precisa ser exercida por um nome de confiança e que não cause surpresas. O comportamento de Alckmin na equipe de transição tem sido observado como uma prévia desse papel. Para cumprir essa função durante o governo, Alckmin disse a políticos de confiança que não gostaria de ocupar um ministério. Ele verbalizou essa preferência numa conversa com o próprio Lula.
Para o ex-governador, concentrar suas atenções numa área específica do futuro governo prejudicaria a função de “copiloto” delegada a ele pelo futuro mandatário. Uma ala do PT defende que Alckmin assuma o Ministério da Defesa, pela facilidade de trânsito que teria com militares e pela capacidade de “pacificar” as Forças. Além do mais, a entrada e a melhor recepção do ex-tucano em setores do empresariado é usada como um trunfo pelo PT, que destacou o vice para dialogar também com esses setores.
Durante encontros com empresários, Lula quis passar a mensagem que revogar o teto de gastos não significa que haverá gastos desenfreados no governo. O petista costuma repetir em seus discursos que educação não representa gasto e, sim, investimento. Em reuniões privadas, Alckmin afirma que o governo precisa retomar a agenda de competitividade e produtividade e defende que uma das prioridades deve ser a reforma tributária.
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